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quinta-feira, janeiro 25, 2007

São Paulo - 453 Anos - Algumas Memórias

(foto da estação de itaquera - fonte jornal notícias de itaquera)
Lembro-me, com muito gosto, do ano em que chegamos em São Paulo. Apesar de paulistano, aos seis meses de idade meus pais se mudaram para a Cidade de Curitiba, no Paraná. Lá ficamos até os meus seis anos. Já relatei isto em meu primeiro livro: Mais do que um sonho, de 1999 e relato novamente no livro Montanha das Ilusões que deverá sair ainda este ano.
Era 6:30hs da manhã quando, finalmente, o caminhão (isso mesmo, daqueles com carroceria), que trazia nossa mudança e as malas (no caso eu e mais meus sete irmãos), deu um solavanco diferente e me fez acordar. Levantei a cabeça e um pouco espremido pela pesada lona que cobria a nós e os móveis, tomei um grande susto. Não que Curitiba fosse, naquela época, uma cidade pequena mas, o que vi ficou gravado como minha primeira memória paulistana.
Estávamos chegando na Praça João Mendes e o movimento de carros, ônibus, pessoas e o guarda, que estava sobre uma espécie de guarita, apitando frenteticamente para controlar o trânsito, deixou-me atônito. Que lugar era este que meus pais, depois de quase oito horas de viagem, haviam nos trazido? Nada mais, nada menos que São Paulo.
Por ali passamos e seguimos para a Zona Leste, através, penso, da Radial Leste e fomos parar em Itaquera.

Itaquera, em 1970, era quase uma cidade de interior. Foi muito curioso passar pelo centro movimentado de São Paulo e na sequência chegar ao "interior" da cidade.

Ali nos estabelecemos! Meu pai, com seu tino comercial imediatamente comprou um Bar, na Av. Pires do Rio e cujo curioso nome, "Risca Faca", denunciava a qualidade da freguesia. Passado os anos comecei a estudar na Escola Cristianópolis, este nome foi alterado posteriormente. Itaquera tinha uma característica peculiar. Ao mesmo tempo era pacata e, já, denunciava seu crescimento através da via principal de acesso, a Pires do Rio, que cruzava e ainda cruza o bairro inteiro e vai para São Miguel Paulista e Guaianazes.

Itaquera hoje ela é atravessada por vários e enormes viadutos que, ao mesmo tempo, tiram sua beleza e a tornam muito mais dinâmica. Do centro de itaquera guardo as lembranças da Estação de Trem (hoje desativada para dar lugar ao prolongamento da Radial Leste, na minha opinião um absurdo!), quando eu, correndo sérios riscos, ficava de frente para os trens enquanto eles apitavam para deixar as plataformas, coisas de criança. Gostoso era, também, quando eu e meu irmão mais velho caminhávamos próximo à Nife do Brasil, em dias de chuva usando apenas um jaquetão do meu pai, os dois no mesmo jaquetão.

Dali, mudamos para a Rua Sete de Setembro, uma travessa da Pires do Rio. Era uma boa casa e o que mais apreciavamos era importunar o Velho Ciroula. Um senhor, morador da casa da frente, que insistia em sair pela manhã, com sua ciroula branca para aguar as plantas e, acho, esquecia de tirá-la durante o dia.

A mudança drástica nesta época que, inclusive, denunciava que as finanças da família não andavam bem foi quando, saímos da sete de setembro e fomos para o Jardim Helean, na colonia japonesa. Fomos morar em uma casa menor e com piso de terra, não era mole não.

Se Itaquera era quase uma cidade do interior, o Jardim Helean era o próprio interior.

Na avenida principal, a Estrada do Pêssego, que nos levava para este bairro, existiam inúmeras chácaras que produziam, obviamente, pêssegos. Ameixas, caquís e outras variedades de frutas também eram produzidas, e isto dava um ar extremamente interiorano para o local. Ainda na Estrada no Pêssego havia o Aquário (ainda existe hoje, completamente modificado) que muitas famílias a ele acorriam para comprar sangue de carpa que, segundo os antigos, era bom para curar bronquite. Devia ser mesmo pois sempre estava cheio.

Desta estrada para o Jardin Helean tinhamos que seguir pela Estrada "M", uma rua estreita que cortava outras tantas chácaras até desembocar no bairro. O duro nesta rua era subir só já que, conta a lenda, um japonesinho se enforcou em um pé de árvore, no meio do caminho. Não tinha quem fizesse que a garotada passasse ali sozinho, nem a pau!

A lembrança mais viva que tenho, e outro dia converesava com um de meus irmãos, o Hélio, é quando davamos nossos mergulhos na piscina da "Batian". A "Batian" é uma senhora japonesa que, com filhos e netos, tinha uma dessas antigas chácaras e, em sua entrada principal, tinha dois tanques com água. Ali era a festa da molecada. Por uma moeda podia-se mergulhar e refrescar-se nos dias de calor.

É com muita saudade e alegria que ainda hoje ouço, em minha mente é claro, as frases da "Batian":

- Tá no hora...tá no hora...

- Menino...Batian vai bater no cabeça...

- Olha o moeda...olha o moeda...

- Esses alemon num tem jeito (referindo-se a mim e meus irmãos, apesar de descendente de nordestino com italiano).

Era muito bom tudo aquilo. A "Batian" era, e ainda é, uma verdadeira Vovó de todos aqueles que tiveram a oportunidade de conhecê-la e, tenho a certeza, será eterna em nossos corações.

A única escola na época a E.E.P.G Lina da Costa Couto onde fui matriculado a partir da 3ª série e cujo idioma fluente era o Japonês, pois quase todos os alunos eram descendentes de japoneses. Alguns nomes ainda guardo na memória: O Mário Fukunaga, o Américo e seu irmão Milton, o Hélio, A Eliana Sato Marques (em segredo - minha primeira paixâo), a Daniela, entre tantos outros. Ali gostava muito da professora Márcia, uma moça de alma bondosa mas muito enérgica. Soube que parou de lecionar por problemas nas cordas vocais. Outra alma bondosa era a Professora Janete que doava uniformes para os alunos carentes da escola. Eu tive a benesse de ser um dos atendidos por ela. Não se pode esquecer, é claro da diretora da escola: Dona Maria Sato. Mulher enérgica e que, quase todos, a temiam. Anos mais tarde tive a oportunidade de encontrá-la no Hospital Santa Marcelina, quando ela, um pouco triste, estava fazendo alguns tratamentos médicos.

Do Jardim Helean, até os dias de hoje, muita coisa mudou. A Estrada do Pêssego virou Jacú Pêssego e ao em todo o seu trajeto as grandes redes (Carrefour, McDonald´s, Habibs, entre tantas outras), modificaram completamente a paisagem, "expulsando" as chácaras para longe dali, até Metrô tem. Tempos modernos, negócios modernos.

O que fica para mim é sentimento de acolhimento que todas essas regiões trazem para aqueles que estão de passagem ou mora fixa. Essa é a cara de São Paulo, não importanto a distância que se esteja do Centro. Essa é a São Paulo de todos nós, brancos, negros, japoneses, italianos enfim, de todas as nações e raças. Essa é a São Paulo, que através de seus bairros constrói uma economia sólida e que necessita ser tratada com mais carinho e dedicação.

9 comentários:

  1. Caro Paulo,

    Este texto me trouxe muitas recordações agradáveis. Tempo em que jogava bolinha de gude, rodava pião, enpinava pipa (sem cortante), jogava bola, e muitas outras atividades, tudo isso em Vila Sabará, Zona Sul e não precisávamos ficar preocupados com outra coisa que não fosse viver.
    Forte abraço,

    Jerson Bottaro

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  2. Olá Jerson, que bom encontrá-lo por aqui.
    É verdade, bons tempos aqueles em que bastava uma lata de leite ninho, cheio de areia para virar um carrinho...lembra disso...
    A cada tempo o seu próprio tempo..
    Um grande abraço,
    Paulo

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  3. É... não vivi nesse tempo, mas confesso uma saudade inexplicável ao ler essas histórias e ver fotos antigas. E nesses momentos, de certa forma, vivo a história que vou lendo, imaginando as paisagens e os momentos. Por isso e tudo mais, obrigado!

    Um abraço,
    Rodrigo

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  4. Rodrigo...
    obrigado por aparecer por aqui.
    Tenho por mim que as memórias, vividas por nós, ou não, fazem parte do inconsciente coletivo e só por isso, nos realimentam diariamente...
    grande abraço,

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  5. Boa tarde,
    Adorei sua crônica cobre Itaquera, como boa professora de história que sou, acho que as memórias dos moradores antigos da zona leste deveriam ser registradas em um livro... morava em São Miguel e minha avó conta histórias e mais histórias de quando o lugar onde ela mora era um "brejo"....
    Parabéns pelo blog!
    Suzan
    Poá - SP

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  6. Paulo eu nasci e fui criado em Itaquera na Vila Corberi Falcão do Morro.
    Encontrei seu texo e quero parabenizá-lo pela qualidade do mesmo.
    escrevi um poema para itaquera e tomo a liberdade de enviar-lhe.
    Abraços
    Marcos Falcon
    marcosfalcon@uol.com.br
    Uma bela Dama.

    É madrugada e o despertador toca.
    Mais um dia. Esta frio é inverno.
    A água da torneira congela minhas mãos, mas é necessário acordar para o dia.
    Coloco a roupa e sobre ela um casaco pesado, acendo um cigarro e vou ao encontro dela.
    O cigarro chegando ao fim queima as pontas de meu bigode, tirar as mãos do bolso naquele frio exigiria muita coragem. Mas vou ao encontro dela. Cuspo o toco de cigarro e limpo os lábios na gola do casacão.
    Desço o morro em passos longos com pressa e com medo, pois ainda está escuro, quase ninguém na rua, um ou outro retornando do trabalho noturno. Aperto o passo na ansiedade de chegar junto dela e lá me aquecer, quem sabe encontrar um destino, um futuro ao menos o conforto de não estar sozinho.
    Agora já posso enxergar ao longe sua silhueta, de dama nobre, traços finos porem marcantes, imponente, porem frágil. Ela é linda vale a pena.
    Chego ao encontro e ela me acolhe em seus braços, respiro fundo aliviado e ao mesmo tempo tomado pela ansiedade em saber até onde ela vai me levar, o que encontrarei a partir deste encontro. Será que retornarei a ela, será que ela estará ali me esperando.
    Já é fim de dia, sufocado, cansado, mas esperançoso retorno e espero encontrá-la.
    Novamente ela está lá, agora brilhante, paciente e acolhedora.
    Suspiro fundo e a toco com carinho é a sensação de um filho que retorna ao lar.
    Que mulher é essa que desperta em mim todas essas emoções de amante a mãe, de porta para o futuro e de acolhida no retorno.
    Dama de traços finos da monarquia inglesa, singela e bela.
    Eu nunca vou te esquecer Estação de Itaquera.



    Marcos Falcon
    Tomei o trem na estação de Itaquera que me conduziu ao mundo.
    A estação foi construída originalmente em 1875 e foi ao chão para dar passagem a Radial Leste em 2004, mesmo contrariando a vontade dos moradores do bairro.

    São Paulo 14 de agosto de 2007.


    "

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  7. Estou lendo este texto hoje 30/09/2011, e ele continua tão atual quando da sua publicação. Muito interessante podermos saber da sua infância, ainda mais quando foi vivenciada em uma cidade (Itaquera), dentro de outra cidade (São Paulo). Conheço a região desde a década de 80, apesar de nunca ter morado lá, e vejo por toda a transformação que essa região vem passando. Parabéns pelas suas recordações e obrigado por compartilha-las conosco

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